Friday, July 06, 2007

As palavras que fazem sons III

Porque há palavras que nos fazem comprar discos
Porque há palavras que nos fazem ouvir/sentir a música antes de a conhecer

Porque há palavras sobre música que marcam tanto como a própria música
Porque já não há palavras assim

Dizem que eles vêm do céu. Mas o paraíso é um lugar onde é suposto estar-se bem. Por isso, não acreditem. Esta música parece mais o último grito de socorro de uma epopeia trágico-marítima que acabou mal, muito mal. Ao pé do oceânico véu de melancolia que os Alpha estenderam para si próprios, grupos como os Tindersticks fazem figura de surfistas sorridentes.
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A imensidão existe, mas é possível recriá-la nume cela diminuta e num único instante. Os Alpha ousaram o visionário cometimento de imaginar o trip-hop que só se julgaria possível num mundo donde toda a esperança tivesse desertado. A sumptuosidade orquestral que percorre todo o álbum é um veículo de languidez e um passaporte para a soturnidade. Os samples de mestres da "música de 'charme'" como Burt Bacharach, Michel Legrand e Francis Lai são aprisionados num fôlego único, subtraídos à dinâmica original e recriados numa toca de lobo. A prova final, de que é possível encerrar sinfonias numa cave e só de vez em quando abrir uma portinhola para deixar os violinos respirar. Canções que evoluem em torno do mesmo motivo orquestral, lamentosamente repetido  numa permanente desdita a que só as vozes vão dando luz. Tão denso e insuportável como um "requiem", este disco imagina o que seria o naufrágio de um paquete com os instrumentos da orquestra já abandonados e espectros no lugar dos músicos tocando a mesma frase até ao final dos tempos, até ao último dos abismos. O que fornece o sampler, afinal, senão o fantasma de uma música que já existiu?

O maravilhoso "Titanic" que os Alpha insistem em pôr a navegar no meio de destroços de uma música perdida conta com brilhantes timoneiros. Vozes que soltam por entre o nevoeiro o clarão dos faróis. Martin Barnard esboça o que seria Scott Walker em registo obsessivo nesse monumento que é "Sometime Later". Helen White desbrava um "Summertime" de Gershwin retido numa curva rítmica; transforma-o em "Slim" e converte o Verão onde é bom viver num Inverno de chuva e sombras. Wendy Stubbs recupera em "Somewhere not here" o motivo já explorado por Barnard e propõe uma surtida temerária à linha do horizonte semeada de perigos. Aí o navio despede-se. Provavelmente a orquestra prosseguirá o mesmo andamento, do outro lado do mundo. Quando nada restar sobre as águas, a música dos Alpha ainda ecoará debaixo das ondas. Ouvir "Come From Heaven" é como ter medo do mar: primeiro estranha-se, mas depois entranha-se ... (Texto Integral )

Nuno Corvacho, Público (9/10), 1997

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"Come From Heaven" é um disco que  resume muito do que a música deste século albergou no seu imenso espaço. É um álbum que, pegando na soul e na densidade das batidas hip-hop fumegantes e acompanhadas por ambientes saturnos que marca a vida do trip-hop, nos transporta para uma terra de ninguém. Encontramo-nos, depois de nos deliciarmos vezes sem conta com as construções entre o caleidoscópio e o tenebroso da dupla constituída por Colin Dingley e Andy Jenks, num local sufocante de tão belo e assustador de tão despojado. A essência, aquilo que fica quando admitimos ser possível a convivência com a mais depurada das verdades, é aquilo que resta depois da exploração de "Come From Heaven". As vozes convidadas para "Come From Heaven", pertença de Wendy Stubbs, Helen White eMartin Bernard (que consegue, deliciosamente, lembrarnos os registos do malogrado Jeff Buckley), bem como os samples construídos a partir de material de Burt Bacharach ou George Gershwin, ajudam a compor um ramalhete de canções (ou melodias, já que aqui os conceitos absolutos perdem relevância, como relevância perde tudo o que não é realmente belo) que soam incrivelmente familiares, São-no, na realidade, porque é de canções como "Rain" e "Nyquil" que esperamos todos os dias. Aprendemos a construí-las em étereos quadros de flutuação interior. Aprendemos a sentir saudades de canções que não conhecemos. Agora elas existem, como terão existido sempre. A diferença é que neste momento conhecêmos-lhe o nome e o cheiro. (Texto Integral )

Pedro Gonçalves, Blitz (4/5), 1997

 

Sometime later

Martin Barnard :

Touch my hand
It's only me, listen
I'm here.

Come to stand
In sultry fields
With you.

And now
Old dummy day
I know
Is over this way.

I'm laughing
Saw you gonna kiss me
You see
Yeah as I said.

One day she won't
A lonely bird
Alone.

Judgement day
Saw the world it's gone
Unheard.

Sold the sea
A lot how it feels to me.

I hate the word it's sad to see
I take your weight
And your heart fades away
Today a renegade
To lay in woods
By the pheasants.

I mean it
You don't
Force on my head
Kill our nightmare.

A lonely bird, a lonely bird
A lonely bird, a lonely bird
A lonely bird, alone.

Colour me
Cover me in the colour that reminds you
Solemnly.

Could make the same mistake
And you would never know
That I am, that I am
Alone, now.

Something, something
Tells me that you
Have something
On, all of us now
You're heaven
Taking over me now
Colour me hate
Raw little nerve
Colour me and pull us
Only home
Me home.

Hold the sun down
Hold the sun down
Hold the moon down
Leave me to rest
Want the world man
Too the words out
Only relief is
To slip through the nets
Hold a minute
And stop a minute
And go, oh oh
Hold a minute
You said to me
Said to me and
Breath, breath, breath, breath, breath ...
You said it to me
Sometime later.

3 comments:

Anonymous said...

... que letra mais linda... vou roubá-la, ok? obrigada :)
margarida

Anonymous said...

eu tenho este disco dos alpha :)
adoro-o...é fantastico...ainda não consegui ouvir mais nada deles, mas espero que seja tão bom como este album...

bitsounds said...

sendo os Alpha um dos meus grupos favoritos tenho que dizer que têm outros discos igualmente fantásticos, mas nenhum se aproxima deste "Come From Heaven" .....
A letra e música de "Sometime later" são perfeitas ....